Dolores J. Wright • Jacqueline Wosinski

Mudando paradigmas no currículo de enfermagem:

da prática baseada em habilidades à tomada de decisões críticas e prática inovadora

O conhecimento, cultural ou profissional, é passado de uma geração para outra. Isso é verdade nas famílias, nas sociedades e nas profissões. Acontece também na enfermagem. No entanto, a arte e a ciência da enfermagem não podem ser “repassados” sem algum tipo de estrutura. Quando formais, os métodos sistemáticos são usados para transmitir conhecimento, especialmente em um ambiente acadêmico, onde o processo e o produto são muitas vezes chamados de currículo. Este artigo fornecerá aos professores de Enfermagem, tanto novatos como veteranos, os principais componentes dos currículos de enfermagem, como partes interessadas, mudanças de paradigma, modelos curriculares, níveis de educação e avaliação. Outros artigos nesta edição da Revista darão mais atenção ao conteúdo curricular específico, como cuidados espirituais e culturais.

Definições

Antes de discutir o currículo de enfermagem, os termos-chave precisam ser definidos. A Associação Americana de Enfermagem define a enfermagem como “proteção, promoção e otimização da saúde e das habilidades, prevenção de doenças e lesões, facilitação da cura, alívio do sofrimento por meio do diagnóstico e tratamento da resposta humana e sensibilização no cuidado de indivíduos, famílias, grupos, comunidades e populações”.1 O Conselho Internacional de Enfermeiros desenvolve essa definição acrescentando que a enfermagem engloba cuidados autônomos e colaborativos de indivíduos de todas as idades, doentes ou sãos, e em todos os contextos; a promoção de um ambiente seguro; pesquisa; bem como a participação na formulação da política de saúde e no gerenciamento de pacientes e de sistemas de saúde.2

A educação tem apresentado definições curriculares por quase 200 anos.3 A definição tradicional inclui o curso regular de estudo em uma escola, faculdade ou grupo de estudos realizado em uma escola, faculdade ou universidade;4 embora, ao longo do tempo, essa definição tenha se expandido bastante a fim de abranger todas as experiências de aprendizagem planejadas, tanto na escola como fora da dela.5

O currículo de enfermagem tradicionalmente tem se baseado em habilidades e testes, dependendo fortemente de objetivos comportamentais para avaliar técnicas e processos. Ao longo do tempo, as metas curriculares têm sofrido mudanças, e os enfermeiros agora estão sendo treinados e preparados para se envolver em tomadas de decisões críticas e práticas inovadoras. Como resultado, a enfermagem como uma prática profissional precisa de currículos que possam articular experiências de aprendizagem com objetivos, teoria e conteúdo baseados em evidências, bem como fundamentos éticos e filosóficos,6 a fim de abordar as prioridades atuais e contextualizadas de saúde pública e as necessidades da comunidade.7

O currículo é transmitido de várias maneiras diferentes. Existe o currículo legítimo ou oficial que Bevis e Watson8 afirmam ser “aquele acordado pelo corpo docente de forma implícita ou explícita”, contendo uma moldura ética que incorpora a filosofia e missão da universidade ou faculdade e da escola ou departamento. Essa moldura é implementada por meio de programas consensuais e baseada em resultados dos alunos, em suas competências, cursos individuais, esquemas de cursos e conteúdos. O currículo oficial é formalizado em documentos escritos que são enviados para agências de credenciamento e compartilhados com professores, estudantes, membros da comissão curricular e outras comissões, conforme apropriado.

Além do currículo legítimo, existem outros tipos de currículos. No final da década de 1960 e na década de 1970, Jackson e Snyder observaram que os alunos muitas vezes recebiam lições indesejadas na escola (faculdade ou universidade), referindo-se a essas lições como o currículo latente ou oculto.9 No entanto, os educadores reconhecem que os alunos também absorvem normas, valores e crenças do ambiente social da escola, por exemplo, quando participam de atividades planejadas, tais como o aprendizado de serviços.10 Essas características complementares do currículo demonstram os aspectos dinâmicos e diversificados no campo da educação em geral e da educação em enfermagem especificamente.

Assim, vários componentes comuns, sejam eles apenas declarados ou assumidos, coexistem nas definições de currículo. Existem metas ou resultados pré-selecionados a serem alcançados. O conteúdo é selecionado e apresentado em uma sequência específica no programa de estudo para alcançar os desejados níveis de domínio ou o diploma. São identificados processos e experiências que facilitam a aprendizagem tanto para os que aprendem de forma tradicional, bem como para o aprendiz já adulto. Os recursos devem ser identificados e disponibilizados. A responsabilidade pela aprendizagem é determinada pelo aluno e o professor, e pode ser identificado até onde e como a aprendizagem ocorre.11 Por causa da variedade de perspectivas, outra maneira de interpretar o currículo pode ser a seguinte: “1) conhecimento organizado e apresentado em um conjunto de assuntos ou cursos; 2) modos de pensamento; 3) conteúdo e processo cognitivo/afetivo; 4) conjunto didático de resultados ou objetivos de desempenho; 5) tudo que é planejado pelo corpo docente em um planejado ambiente de aprendizagem; 6) atividades de ensino entre várias escolas, incluindo relações extracurriculares; 7) experiências individuais do aluno como resultado da escolaridade.”12

Um grupo de professores, então, em consulta com associações governamentais profissionais e credenciadoras, deve tomar decisões sobre como cada componente do currículo será transmitido e implementado. Já que os professores têm estilos de ensino individuais e liberdade acadêmica, deve haver um currículo operacional. Isso é o que cada professor deve transmitir em áreas de conhecimento, habilidades e atitudes. Esse é o currículo que é comunicado aos alunos. O currículo avaliado é o que é testado e examinado, e o currículo aprendido é o que o aluno realmente aprende, o que às vezes não é o que os professores pensam que ensinaram.

Na enfermagem, como em outros campos, nem tudo pode ser ensinado aos alunos. Alguns conteúdos e habilidades são intencionalmente ou inadvertidamente deixados de fora, possivelmente porque não há tempo suficiente, ou porque o conteúdo não atingiu o nível de significância que justificasse sua inclusão no currículo, ou porque o conteúdo é considerado controverso e intencionalmente excluído do currículo. Muitos educadores de enfermagem referem-se a isso como o currículonulo”.13 Bevis e Watson14 afirmam que, além do conteúdo factual, os professores também tentam ensinar certos comportamentos, como o cuidado e a compaixão. No entanto, disposições como o cuidado e a compaixão não são quantificáveis em objetivos comportamentais que possam ser mensurados de forma adequada ou avaliados com facilidade. Por esse motivo, Bevis e Watson15 o chamam de currículoilegítimo”. Ilegítimo não porque sejam ilegais ou remontem a comportamentos não sancionados que não devam ser ensinados, mas porque essas disposições não se prestam a ser descritas como objetivos comportamentais e são difíceis de ser medidas e avaliadas.

Partes interessadas

As partes interessadas no currículo incluem a instituição educacional, seu conselho de administradores, faculdades individuais dentro da instituição, professores, alunos e o público que apoia a instituição. Igualmente importantes são os órgãos reguladores do governo, as agências de acreditação, hospitais e clínicas que se associam a programas de enfermagem e organizações profissionais. Cada um desses grupos pode definir o currículo de forma diferente. Por exemplo, por vários anos, os conselhos estaduais de enfermagem nos Estados Unidos avaliaram o currículo de uma escola usando um modelo behaviorista, então as escolas de enfermagem tinham que definir seus resultados almejados de aprendizagem usando linguagem behaviorista, como a que segue: “No final deste curso, o aluno será capaz de demonstrar uma técnica estéril.” Embora esse seja apenas um exemplo, ele mostra que o currículo pode ser influenciado pelas exigências governamentais, padrões profissionais, necessidades societárias, metas institucionais, planos e propósitos dos professores e interesses e necessidades dos alunos. Algumas dessas camadas de influência podem involuntariamente entrar em conflito com outras no processo de desenvolvimento do currículo.16 Como os professores são geralmente encarregados do desenvolvimento ou revisão do currículo, eles devem considerar e lidar com todas as partes interessadas e grupos que influenciam um currículo.

Pode-se considerar a humanidade em geral como uma dessas partes interessadas, porque muitas questões que os seres humanos enfrentam são geradas e experimentadas em uma escala global. Podem-se incluir aí desastres naturais, mudanças demográficas, aumento do uso da tecnologia, doenças emergentes, guerra e terrorismo, mudanças climáticas e organismos resistentes a medicamentos. Em tempos anteriores, essas questões raramente faziam parte de qualquer curso de enfermagem. No entanto, a educação em enfermagem deve agora incluir temas em seus cursos (currículos) que abordem não só questões locais, mas também nacionais e internacionais relacionadas à saúde daqueles atendidos por seus enfermeiros formados.17

Os objetivos do currículo

A faculdade de enfermagem instrui e treina sobre a premissa de que o objetivo do currículo é facilitar os processos de aprendizagem que permitam aos alunos adquirir uma base de conhecimento e desenvolvam confiança em relação à sua competência para implementar estratégias adequadas para se adaptarem ao ambiente complexo e em mudança da indústria dos cuidados de saúde.18 Em outras palavras, eles acreditam que alunos e graduados em enfermagem precisam de uma base de conhecimento que lhes permita racionalizar e verificar suas intervenções de enfermagem quando prestam cuidados. No entanto, os professores de Enfermagem também concordam – e há muito concluíram – que a base de conhecimento necessária é mais ampla do que apenas o conteúdo do curso de enfermagem. Ela também deve incluir fundamentos em ciências naturais, ciências sociais, humanidades, comunicação, nutrição, educação física e bioética e/ou religião.19

Mudança de paradigma

Uma grande mudança de paradigma tem ocorrido na educação em enfermagem. Enquanto os enfermeiros costumavam ser “treinados” para realizar certas habilidades, eles agora recebem uma “educação” que inclui treinamento sobre como pensar criticamente, analisar situações e colaborar com médicos e outros profissionais da área para gerenciar e tomar decisões sobre o atendimento ao paciente. Os enfermeiros, mais do que qualquer outro profissional médico, estão com os pacientes 24 horas por dia, 7 dias por semana. Por essa razão, eles têm um papel significativo e devem estar envolvidos no processo de tomada de decisão. A mudança de paradigma inclui uma mudança que parte da memorização de técnicas específicas para entender o raciocínio por trás de cada etapa do processo; sai da memorização de conteúdos e parte para a sabedoria e desenvolvimento de habilidades para tomar decisões clínicas apropriadas com base em julgamentos sólidos; sai do pensamento do produto (focado na tarefa e no processo) para o cuidado humano baseado nos valores (focado na pessoa); e parte da aprendização da manutenção (fazer as coisas como sempre foram feitas) para a aprendizagem inovadora antecipada (buscar intencionalmente soluções criativas e inovadoras para os problemas.20 Assim, em vez de ser estáticos, os currículos de enfermagem modernos são dinâmicos e fluidos e vão continuar a mudar.

Quatro recomendações principais surgiram de um estudo recente financiado pela Fundação Carnegie:21 (1) os alunos devem ser ensinados a “pensar como um enfermeiro”; (2) a sala de aula e o ensino clínico devem ser integrados para que reproduzam as realidades da prática de enfermagem; (3) os alunos devem ser ensinados a pensar de várias formas, incluindo o raciocínio científico, raciocínio clínico e uso da imaginação; e (4) os alunos devem aprender a internalizar o que significa ser um profissional. Essas recomendações, quando colocadas em prática, dão aos educadores de enfermagem novas formas de pensar sobre os currículos.

Modelos curriculares

A organização do currículo geralmente é baseada em um dos três modelos: bloco, baseado em conceito ou baseado em competência:

1. Um currículo bloco é o mais tradicional, com conteúdo a ser ensinado de acordo com a condição clínica, a especialidade ou a idade dos pacientes.22 No entanto, em algumas áreas do mundo, o currículo bloco tem outro significado. Não se refere apenas ao conteúdo organizado por condição clínica, especialidade ou avanço da idade, mas também se refere a todo o conteúdo (teoria) ensinado na sala de aula por um período, após o qual os estudantes de enfermagem passam outro período em várias instalações para suas experiências clínicas. Isso pode ser necessário devido às restrições dos hospitais ou clínicas disponíveis, mas muitas vezes é simplesmente uma questão de tradição.

De acordo com o relatório sobre educação em enfermagem de Benner e seus colegas,23 que enfatizaram a integração da teoria da enfermagem e da experiência clínica, alguns estados dos Estados Unidos atualmente não aceitam históricos escolares de países cuja educação em enfermagem usa uma estrutura de currículo bloco. Os enfermeiros desses países que migram para os Estados Unidos podem ser convidados a repetir certas disciplinas de enfermagem para atender aos requisitos americanos para integrar teoria e experiência clínica.24

2. Um modelo de currículo baseado em conceito concentra-se na integração de conceitos básicos de enfermagem no currículo, na fase de planejamento. Conceitos como dor, inflamação, eliminação, desenvolvimento humano, vícios etc. são usados para desenvolver o currículo.25 Esses conceitos tornam-se o foco das disciplinas. Os professores orientam os alunos através de experiências de aprendizagem que demonstram como os conceitos são expressos em várias configurações com diferentes populações. Por exemplo, o conceito de dor pode ser trabalhado em várias matérias em que o aluno aprende sobre a fisiopatologia da dor, as causas e características primárias da dor, situações que podem exacerbar a dor e como avaliar e tratar ou aliviar a dor. Cada conceito central também pode ser trabalhado como um fio tecendo várias disciplinas nesse tipo de currículo.

3. Um modelo de currículo baseado em competências tem objetivos observáveis e mensuráveis aos quais o aluno deve alcançar para ser considerado competente. Esse tipo de estrutura curricular permite aos alunos progredir em diferentes velocidades, mas pode ser assustador para os alunos em transição de uma abordagem de teoria da aprendizagem comportamental para uma perspectiva teórica mais cognitiva e construtivista da aprendizagem.26 Todos os currículos de enfermagem incorporam algum tipo de competências medidas, mas o currículo total nem sempre é construído em torno delas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) escolheu uma abordagem baseada em competências para seus protótipos de currículo para enfermagem e obstetrícia.27

Níveis de educação em enfermagem

Muitas áreas nos Estados Unidos permitem que os graduados do ensino médio completem um pequeno programa de enfermagem que os qualifica a se tornarem auxiliares de enfermagem ou licenciados vocacionais que trabalham sob a supervisão de uma enfermeira registrada ou de um médico.28 Nos Estados Unidos, esses programas normalmente exigem de 12 a 14 meses de estudo para que o aluno esteja pronto para fazer o exame e se tornar um enfermeiro prático licenciado (LPN - licensed practical nurse) ou enfermeiro profissional licenciado (LVN - licensed vocational nurse). Programas semelhantes em outras partes do mundo levam o título de auxiliar de enfermagem, técnico de enfermagem ou enfermeiro A2. Um LPN/LVN pode continuar seus estudos para se tornar um enfermeiro registrado (RN - registered nurse) inscrevendo-se em programas de RN hospitalares, quando disponíveis, para se preparar para o exame de licenciamento de RN ou programas de enfermagem de dois ou quatro anos para obter um diploma de associado em enfermagem (ADN - associate degree in nursing) ou um bacharelado em enfermagem (BSN - baccalaureate degree in nursing).

Mesmo que o Conselho Internacional de Enfermeiros tenha como um de seus objetivos alcançar a padronização na educação de enfermagem profissional em todo o mundo,29 variações significativas ainda existem: nos Estados Unidos, da década de 1930 à década de 1970, os programas de diploma RN hospitalar eram bastante comuns. Os programas, que geralmente levavam três anos para ser concluídos, foram desenvolvidos pelos hospitais para garantir um fornecimento constante de enfermeiros para suas instalações. No entanto, o progresso na profissão era difícil para os seus graduados, uma vez que os programas não ofereciam créditos transferíveis.30 Embora a maioria dos programas hospitalares tenha sido gradualmente suprimida ou tenha se associado a colégios para oferecer um grau associado (ADN) ou um bacharelado (BSN), alguns ainda existem sem nenhum parceiro acadêmico. Nos Estados Unidos, os programas de diploma podem obter credenciamento pela Liga Nacional de Enfermagem, tornando seus graduados elegíveis para fazer o exame de licenciamento e se tornarem enfermeiros registrados.

Escolas em muitas partes do mundo ainda oferecem programas profissionais pós-secundários de dois ou três anos que não oferecem créditos transferíveis.31 Em muitos países africanos, onde a prevalência de doenças crônicas está aumentando, os currículos estão se deslocando do foco da cura de doenças transmissíveis para fornecer cuidados para pacientes com doenças crônicas.

No início da década de 1950, os Estados Unidos enfrentavam uma falta de enfermeiros simultânea devido ao rápido aumento no número de escolas técnicas.32 Esses foram os dois principais fatores que impulsionaram o desenvolvimento de programas de enfermagem de grau associado (ADN). Os graduados desses programas eram aptos para fazer o exame de licenciamento de RN. Como os graduados do ADN ganhavam crédito da faculdade, eles podiam se matricular em uma faculdade ou universidade de quatro anos para completar um bacharelado ou grau superior. O programa ADN é muitas vezes conhecido como um diploma de dois anos. Embora seus alunos estudem enfermagem por dois anos, para serem aceitos no programa, eles devem ter feito certas matérias como pré-requisito que exigem um ou dois anos para serem concluídas. Assim, embora o aluno tenha passado pelo menos três anos em busca de um diploma associado, ele ganhará apenas créditos de nível básico, conquistados durante os dois últimos anos do programa.33

Os programas de bacharelado em enfermagem estão disponíveis nos Estados Unidos desde a década de 1920, mas não alcançaram um crescimento significativo até a década de 1950. Esses programas são oferecidos por faculdades ou universidades e geralmente levam quatro anos para ser concluídos. O aluno geralmente deve completar de um a um ano e meio de pré-requisitos antes de ser aceito nesse programa, embora algumas escolas de enfermagem integrem esses pré-requisitos de educação geral ao longo do seu currículo. Depois de completar os pré-requisitos exigidos, o aluno faz disciplinas básicos de enfermagem incluindo liderança e administração. Historicamente, a marca do programa de bacharelado em enfermagem tem sido a inclusão de um curso de enfermagem em saúde pública.34

Em 1999, os ministros de Educação da União Europeia decidiram aplicar um sistema de transferência de crédito semelhante ao usado nos Estados Unidos em todo o sistema educacional.35 Após um período de ajuste entre educadores de enfermagem, os programas de BSN estão ganhando impulso em todo o continente por dois motivos complementares: (1) o programa apela aos alunos que gostam de ganhar créditos transferíveis; (2) o sistema de saúde precisa de mais enfermeiros devido ao envelhecimento dos atuais técnicos de saúde.

Desde 2000, a OMS vem promovendo a melhoria mundial da educação em enfermagem e obstetrícia36 como meio de melhorar a saúde mundial. Entre outros, os autores de um estudo comparativo na China e na Europa demonstraram que o bacharelado em enfermagem aumenta a qualidade dos cuidados, a relação custo-eficácia e a retenção de enfermeiros, bem como a satisfação do paciente.37 Assim, as escolas em mais e mais países ao redor do mundo oferecem o diploma de bacharel em Ciências da Enfermagem (BSN). Como corolário, enquanto essa pesquisa em enfermagem tem historicamente se limitado a países de língua inglesa, ela tem ganhado impulso na Ásia e está em ascensão na Europa e na África.

Avaliação curricular

Nos últimos 50 anos, os educadores de enfermagem incorporaram um sistema aprofundado de avaliação curricular que tem uma visão mais ampla do que a simples mensuração de quantos alunos se tornaram enfermeiros registrados e se os programas conseguem acreditação contínua. Um dos primeiros sistemas de avaliação curricular, proposto por Stuffelbeam em 1971, examinou a “relação de elementos curriculares [...] refletindo a natureza integrada dos currículos de enfermagem”.38 Esse modelo, conhecido pela sigla CIPP (context, input, process, product), buscava analisar o planejamento (contexto), a estruturação (input), a implementação (processo) e a reciclagem (produto). A Stuffelbeam expandiu o sistema em 1983 para incluir mais em cada uma das quatro áreas, a fim de assegurar um exame mais detalhado do currículo na perspectiva das partes interessadas, dos professores e dos alunos. Embora o sistema de Stuffelbeam tenha sido usado e ensinado em todo o mundo, as escolas de enfermagem podem adotar uma série de outras abordagens que asseguram igualmente uma avaliação sistemática. Iwasiw e Goldenberg39 listam 13 modelos diferentes.

Um modelo específico é útil para orientar o processo de avaliação de modo que os méritos e as fraquezas de um programa possam ser apontados e uma devida consideração seja dada para identificar as áreas que precisam de atenção extra. A avaliação do currículo é um trabalho que consome tempo, assim, muitas escolas de enfermagem adotaram um processo de avaliação “contínua”.40 Elas identificam certos aspectos do currículo que devem ser avaliados anualmente, enquanto outras áreas recebem atenção a cada três ou cinco anos. Por exemplo, as avaliações anuais podem incluir as taxas de aprovação dos alunos (conferindo-lhes o direito de se tornar enfermeiros registrados) e entrevistas ao final do curso com alunos graduados. Da mesma forma, a cada três ou cinco anos, as escolas podem optar por coletar informações dos empregadores sobre sua satisfação com os graduados, bem como coletar informações dos graduados sobre a forma como eles se prepararam para seu primeiro emprego como enfermeiros registrados.

A avaliação curricular por parte dos professores tende a ser benéfica de várias maneiras. Ela pode aumentar a conscientização e o reconhecimento dos professores pelo currículo, expandir sua capacidade de projetar e implementar o currículo, ajudá-los a desenvolver uma compreensão mais profunda de uma variedade de conceitos no currículo, encorajar seu compromisso com a educação de enfermagem baseada em evidências e dar-lhes um sentimento de empoderamento. Participar do processo de desenvolvimento e revisão curricular será relevante ao longo de sua carreira como educadores de enfermagem.41

Os enfermeiros que obtêm um diploma de bacharel estão aptos para continuar sua educação em nível de pós-graduação.42 Nos Estados Unidos, os graduados em faculdade de outras áreas podem fazer um mestrado em enfermagem, embora possam precisar de certas disciplinas como pré-requisito. Várias especialidades estão disponíveis para enfermeiros que procuram diplomas de prática avançada em nível de mestrado, incluindo enfermeiro clínico (NP), professor de Enfermagem e administrador de enfermagem. Há também dois tipos de doutorado na área: doutor em Prática de Enfermagem (DNP), que é visto como um diploma de prática que permite que os graduados persigam uma área de especialidade específica, e doutor em Enfermagem (PhD), que é entendido como um diploma de pesquisa. Na maioria das situações, a pós-graduação é necessária para entrar no campo da educação em enfermagem.

Conclusão

Muitos enfermeiros entram no campo da educação em enfermagem havendo sido primeiramente preceptores de alunos de enfermagem ou instrutores clínicos.43 Por eles terem descoberto um amor e talento para o ensino, procuram oportunidades para fazer mais no campo da educação em enfermagem. Outros professores de Enfermagem são recrutados pela administração de uma escola de enfermagem por causa de seus conhecimentos clínicos ou do diploma que já possuem. Alguns enfermeiros optam por entrar no campo da educação de enfermagem porque querem compartilhar o que aprenderam ou porque possuem um título apropriado. Na maioria desses casos, o membro do corpo docente em potencial não teve formação didática ou experiência com os fundamentos do sistema de educação em enfermagem: o desenvolvimento curricular.

Um professor de Enfermagem novato pode se sentir completamente perdido ou abalado quando nomeado para a comissão curricular ou quando é convidado a servir em algum aspecto do processo de avaliação curricular. Por essa razão, as oportunidades para trabalhar a serviço da educação e para treinamento na área de projeto e desenvolvimento curricular deveriam ser disponibilizadas aos professores de Enfermagem que estão ativamente envolvidos nessas tarefas. Tanto para o professor de Enfermagem veterano como para o novato, espera-se que a definição de currículo contida neste artigo e de áreas-chave envolvidas em seu desenvolvimento e avaliação sejam úteis ao desenvolver ou revisar um currículo de enfermagem.


Este artigo foi revisado por pares.

Dolores J. Wright

Dolores J. Wright, PhD, RN, é professora de Enfermagem na Escola de Enfemagem da Univesidade Loma Linda, Califórnia, Estados Unidos. Ela leciona nos níveis BSc, MSc e DNP. Ela também leciona Enfermagem em Saúde Pública, Enfermagem em Saúde, Prática de Ensino e Desenvolvimento Curricular. Seus interesses de pesquisa voltam-se para a educação em enfermagem e a educação interprofissional.

Jacqueline Wosinski

Jacqueline Wosinski, PhD, RN, é diretora da Escola de Enfermagem da Universidade Adventista da África Central, em Kigali, Ruanda. Seus interesses de pesquisa incluem síntese de evidências, teoria fundamentada e pesquisa de intervenção na promoção da saúde, viver com doenças crônicas, competências culturais e educação em enfermagem. Ela ensina Teoria da Enfermagem, Promoção da Saúde e Prática Baseada em Evidências.

Citação recomendada:

Dolores J. Wright and Jacqueline Wosinski, “Mudando paradigmas no currículo de enfermagem: da prática baseada em habilidades à tomada de decisões críticas e prática inovadora,” Revista Educação Adventista 44:1 (Outubro–Dezembro 2017). Disponível em https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2018.2.3.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. American Nurses Association, “What Is Nursing?” (2017). Disponível em: http://www.nursingworld.org/EspeciallyforYou/What-Is-Nursing.
  2. International Council of Nurses, “Definition of Nursing” (2017). Disponível em: http://www.icn.ch/who-we-are/icn-definition-of-nursing/.
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  4. Carroll L. Iwasiw, Mary-Anne Andrusyszyn e Dolly Goldenberg, Curriculum Development in Nursing Education (Burlington, Mass.: Jones & Bartlett, 2015):4.
  5. John Dewey, The School and Society and the Child and the Curriculum (Chicago: The University of Chicago Press, 1991). (Originalmente publicado em 1900); Forest W. Parkay, Eric J. Anctil e Glen J. Hass, Curriculum Leadership: Readings for Developing Quality Educational Programs (Boston: Allyn and Bacon, 2010):3.
  6. Fred C. Lunenburg, “Theorizing About Curriculum: Conceptions and Definitions,” International Journal of Scholarly Academic Intellectual Diversity 13:1 (2011):1-6.
  7. Diane M. Billings e Judith A. Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty, 5th ed. (St. Louis, Mo.: Elsevier, 2015).
  8. Olivia Bevis e Jean Watson, Toward a Caring Curriculum: A New Pedagogy for Nursing (London: Jones & Bartlett, 2000):74.
  9. Benson R. Snyder, The Hidden Curriculum (Boston: MIT Press, 1973).
  10. Neti Juniarti et al., “Defining Service Learning in Nursing Education: An Integrative Review,” Padjadjaran Nursing Journal 4:2 (agosto de 2016):200-212.
  11. Billings e Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty, 80.
  12. Ibid.
  13. Ibid.; Bevis e Watson, Toward a Caring Curriculum: A New Pedagogy for Nursing.
  14. Bevis e Watson, Toward a Caring Curriculum: A New Pedagogy for Nursing.
  15. Ibid.
  16. Billings e Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty.
  17. ICN, 2006.
  18. Billings e Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty.
  19. Bevis e Watson, Toward a Caring Curriculum: A New Pedagogy for Nursing.
  20. Billings e Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty, 80.
  21. Nove programas básicos de enfermagem nos Estados Unidos foram avaliados e comparados nesse estudo etnográfico. A coleta de dados incluiu observações em sala de aula, uma entrevista sobre o currículo e entrevistas com alunos e professores de dois cursos que seguiam o currículo de enfermagem. Pesquisas baseadas na web também foram usadas. Para mais informações, veja Patricia Benner et al., Educating Nurses: A Call for Radical Transformation (Hoboken, N.J.: Wiley, 2010).
  22. Billings e Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty.
  23. Benner et al., Educating Nurses: A Call for Radical Transformation.
  24. Nursing Practice Act, California Code of Regulations, Section 1426 (d & g) (n.d.). Disponível em: http://www.rn.ca.gov/practice/npa.shtml#ccr.
  25. Billings e Halstead, Teaching in Nursing: A Guide for Faculty.
  26. Fatemeh Aliakbari et al., “Learning Theories Application in Nursing Education,” Journal of Education and Health Promotion 4:2 (fevereiro de 2015). DOI: 10.4103/22779531.151867.
  27. WHO Regional Office for Africa, Three-year Regional Prototype Pre-service Competency-based Nursing Curriculum, Brazzaville, Congo (2016). Disponível em: http://hrh-observatoryafro.org/wp-content/uploads/2017/01/PROTOTYPE-COMPETENCY-NURSING.pdf.
  28. Janet M. Coffman, Krista Chan e Timothy Bates, Trends in Licensed Practical Nurse/Licensed Vocational Nurse Education and Licensure Examinations, 1998 to 2013 (San Francisco: University of California, 2015). Disponível em: http://healthworkforce.ucsf.edu/sites/healthworkforce.ucsf.edu/files/Report-Trends_in_LPN-LVN_Education_and_Licensure_Examinations_1998-to-2013_v1.1.pdf.
  29. International Council of Nurses, “The Global Nursing Shortage: Priority Areas for Intervention.”
  30. Nursing Practice Act, California Code of Regulations, Section 1426 (d & g).
  31. Comunicação pessoal com Themba T. Thongola, diretor do Kanye Seventh-day Adventist College of Nursing, em Kanye, Botswana, África, em junho de 2016.
  32. Elizabeth H. Mahaffey, “The Relevance of Associate Degree Nursing Education: Past, Present, Future,” Online Journal of Issues in Nursing 7:2 (maio de 2002):11.
  33. Os créditos de nível básico são para os dois primeiros anos, ou estudantes de primeiro ano e segundo ano de faculdade almejando um grau de associado. Os programas de quatro anos (bacharelado) exigem não só os créditos de graduação, mas também os créditos de níveis superiores (oferecidos durante o terceiro e quarto anos) e oferecem um diploma BSN. Uma hora de instrução em sala de aula cada semana durante um semestre ou trimestre é igual a um crédito. Em um sistema trimestral (10 semanas por trimestre), uma unidade de crédito indica que um aluno passou 10 horas em sala de aula; dessa forma, três horas de prática ou clínica a cada semana (ou 30 horas de prática durante o período) também equivalem a um crédito. Em um sistema semestral (com 16 semanas por semestre), um crédito indicaria que o aluno passou 16 horas em um curso teórico ou 48 horas em clínica prática. Para mais informações, ver Nursing Practice Act, California Code of Regulations, Section 1426 (d & g) (n.d.). Disponível em: https://www.google.com/search?q=https://govt.westlaw.+com/calregs/Document/+IECADF240CC+D411DF9+C2+DE816+E9BE2+880?+viewType%3DFullText+origination+Context%3Ddocumenttoc%26+transitionType%3DCategory+PageItem%26contetData%3D(sc.Default).&spell=1&sa=X&ved=0ahUKEwickZSomJLYAhVM6yYKHb1EBQcQBQgmKAA.
  34. Janna Dieckman, “History of Public and Public Health and Community Health Nursing,” in Marcia Stanhope e Jeanette Lancaster, eds., Public Health Nursing: Population Centered Health Care in the Community, 9th ed. (St. Louis, Mo.: Elsevier, 1987):22-43.
  35. European Ministers of Education, The Bologna Declaration (1999). Disponível em: http://www.magna-charta.org/resources/files/BOLOGNA_DECLARATION.pdf.
  36. WHO Department of Human Resources, Global Standards for the Initial Education of Professional Nurses and Midwives, Geneva, Switzerland (2009). Disponível em: http://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/hrh_global_standards_education.pdf.
  37. Ann Kutney-Lee, Douglas M. Sloane e Linda H. Aiken, “An Increase in the Number of Nurses with Baccalaureate Degrees Is Linked to Lower Rates of Postsurgery Mortality,” Health Affairs 32:3 (março de 2013). Disponível em: 579-586. DOI: 10.1377/hlthaff.2012.0504; Li-Ming You et al., “Hospital Nursing, Care Quality, and Patient Satisfaction: Cross-sectional Surveys of Nurses and Patients in Hospitals in China and Europe,” International Journal of Nursing Studies 50:2 (fevereiro de 2013):154-161. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.05.003.   
  38. Iwasiw e Goldenberg, Curriculum Development in Nursing Education, 2015, 371.
  39. Ibid.
  40. Sarah B. Keating, Curriculum Development and Evaluation in Nursing, 2nd ed. (New York: Springer, 2011).
  41. Iwasiw e Goldenberg, Curriculum Development in Nursing Education.
  42. Your Guide to Graduate Nursing Programs Brochure (Washington, D.C.: American Association of Colleges of Nursing, 2013). Disponível em: http://studylib.net/doc/8812385/your-guide-to-graduate-nursing-programs.
  43. Um preceptor de enfermagem é frequentemente um enfermeiro com pelo menos um BSN que não presta serviço como professor ou professor adjunto em uma faculdade ou universidade. O papel do preceptor é ajudar o aluno enfermeiro durante a transição para uma RN, modelando e orientando sua prática, muitas vezes durante o período final do curso. Um instrutor clínico é frequentemente um membro do corpo docente de tempo integral, parcial ou adjunto. Os instrutores clínicos geralmente possuem mestrado e podem servir como treinadores de preceptores. Para mais informações, veja: “Preceptor and Clinical Faculty Roles with Undergraduate Students” in Precepting Graduate Students in the Clinical Setting, Bette Case di Leonardi e Meg Gulanick, eds. (Chicago, Ill.: Loyola University Chicago, 2008):131-151.