Perspectivas | Desmond Hartwell Murray

A pesquisa pode ser um ministério sagrado?

Parte 1

Antes que o pecado entrasse em nosso mundo e em nossa consciência humana, antes dos querubins e da espada flamejante, quando Deus viu que tudo era bom, Gênesis relata Adão descobrindo e nomeando a criação de Deus. Imagino Adão e Eva caminhando pelo Éden, deslumbrados e maravilhados, entre uma criação perfeita de luz e céu, ar e água, plantas e animais. Não havia nenhuma Palavra de Deus registrada então; o conhecimento de Deus veio em parte, por Suas obras. À medida que eles buscavam e contemplavam as obras de Deus, imagino que o processo tenha sido profundamente espiritual e profundamente relacional, pois teria revelado o poder, a providência, a majestade e a força do Criador, a quem eles deviam sua primeira e cada respiração.

Como cientista praticante, isso ressoa profundamente em mim. Pois aqui, bem no início de nossa jornada humana, um sentimento de admiração e reverência está embutido em relação à presença viva e ao testemunho das obras de Deus. Sem Deus, nem as obras nem nossa observação humana delas são possíveis. De fato, “nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17:28; ARA). Então, do meu ponto de vista, a pesquisa é um chamado intensamente sagrado que combina inspiração, revelação e imaginação. A pesquisa é fundamentalmente uma jornada de descoberta, incluindo a autodescoberta, como está implícito na raiz da palavra francesa recherche, que significa “procurar”.1

Seeker (aquele que busca) é o nosso arquétipo humano mais antigo. Nossa curiosidade inata, a base de todo aprendizado, está embutida em nossos genes e neurotransmissores dados por Deus.2 A curiosidade nos ajuda a ser conscientes e a participar da senciência do universo. Desde os alicerces da Terra, os humanos têm sido exploradores e buscadores. De fato, como crianças, antes de aprendermos a ler, escrever e contar, nós “procuramos”. Procuramos nosso interior para descobrir e criar métodos de comunicação, arte e música. Exploramos os céus em busca de vida e significado, e a Terra, em busca de elementos e átomos.

“Procurar” é um impulso universal não limitado por nível educacional, gênero, idade, etnia ou campo de estudo; não se limita à ciência, tecnologia, engenharia e matemática. A busca abrange todas as áreas da investigação humana, atividade, criatividade e curiosidade; é expansiva, e não exclusiva. É nosso legado humano, nosso direito de primogenitura dado por Deus e nossa herança.3

A pesquisa também é sagrada

Como, então, a pesquisa (“a busca”) foi rotulada erroneamente e definida de forma restrita como uma atividade exclusivamente secular e mecanicista, em vez de ser considerada sagrada e espiritual? Por que tantos automaticamente veem a pesquisa de forma negativa? Por que a pesquisa é considerada antitética e incompatível com a crença para alguns?

Muitas vezes, perdemos de vista a perspectiva que embutida na pesquisa é o potencial para o bem e o mal. Nossos rótulos do sagrado e do secular são muitas vezes aplicados de forma irreflexiva e equivocada a pesquisas baseadas em construções tradicionais das comunidades eclesiásticas e científicas. Seja qual for o motivo, acredito que é hora de redefinir as percepções e entendimentos populares da pesquisa como um empreendimento primariamente secular. Assim, a intenção e a motivação subjacentes deste artigo é mostrar que é hora de uma enunciação completa, direta e corajosa sobre por que a pesquisa pode ser um empreendimento sagrado (ver Barra Lateral 1). Acredito que Deus colocou diante de nós portas abertas para Suas obras, e ninguém deve ter permissão para fechá-las ou defini-las. Acredito que a pesquisa é sagrada pelas 10 razões a seguir:

1. A pesquisa é um chamado de Deus para pedir, buscar e bater (Mt 7:7, 8).

Para mim, este é o credo do pesquisador, o lema daquele que busca. Na verdade, Deus colocou dentro de nós a capacidade de fazer exatamente essas coisas. Ele nos criou nos níveis psicológico, fisiológico e molecular com a capacidade de “procurar”, o que constitui um convite de fato para que sejamos curiosos e observadores e conheçamos as obras de Deus. Esse convite diz, em parte: “Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; não o percebeis?” (Is 43:19; ARA). Olive J. Hemmings explica: “Esta palavra eis tem sua origem na palavra grega βλέπω ‘eu vejo’. A palavra que vem de βλέπω-, como aparece no texto, significa ver no sentido mais profundo. Significa descobrir ou perceber ou observar com atenção, como se você não tivesse visto antes. Olhe além do ‘óbvio’ e do superficial.”4 A palavra eis aparece bem mais de mil vezes na Bíblia. Deus deve querer chamar nossa atenção. Ele nos chama a ir fundo, além das aparências, dos olhares superficiais e das especulações precipitadas. Seu apelo é repetido e insistente por uma visão profunda, por uma pesquisa profunda. Eis, eis, eis! Aqui reside a essência da busca, da pesquisa: É contemplar “no sentido mais profundo” a Palavra e as obras de Deus. Nesse processo, seremos transformados.

2. A pesquisa é uma luta sagrada com Deus, Sua Palavra e Suas obras, que trazem as bênçãos da revelação.

A pesquisa é semelhante à luta arquetípica de Jacó com Deus. Além disso, essa luta sagrada é contínua e ao longo da vida. Todos nós permanecemos humildes e em eterna ignorância na presença de Deus e na inquisição ardente, conforme registrado e demonstrado nos capítulos 38 a 41 de Jó. Nós falhamos em nosso conhecimento das obras de Deus e estamos para sempre em uma luta sagrada enquanto buscamos e perseguimos conhecimento e revelação. Somos essencialmente apenas bisbilhoteiros dos conselhos secretos da Trindade, dos profundos mistérios e da sabedoria insondável de nosso Deus eterno. Para mim, esse mistério é mais bem ilustrado pelo enigmático elétron. Grande parte de nossa civilização tecnológica depende do elétron, seu comportamento, função e manipulação. No entanto, o elétron convida a uma definição completa, a uma visualização e a uma resposta simples para a pergunta: o que é realmente um elétron?5

3. “Pesquisa é a curiosidade formalizada. É cutucar e bisbilhotar com um propósito”.6

Zora Neale Hurston (1891-1960), romancista e antropóloga afro-americana, escreveu essa afirmação, que resume sucintamente a relação entre pesquisa e curiosidade. Acredito que nossa curiosidade dada por Deus é uma necessidade humana tão fundamental quanto a fome e a sede, uma necessidade de ordem superior não satisfeita por comida, água e biologia, mas pelo conhecimento. Em um mundo repleto de estímulos, alguns dos quais são prejudiciais e ameaçadores à nossa sobrevivência, o conhecimento é necessário para dar respostas inteligentes, e a curiosidade é o mecanismo de sobrevivência que procura e busca por esse conhecimento. Acredito que estamos divinamente conectados dessa maneira em nossos processos de nível superior e em nossos genes e neurotransmissores. Por exemplo, foi investigado e estabelecido que a dopamina, substância química de recompensa do cérebro, está intrinsecamente ligada ao estado de curiosidade e felicidade do cérebro.7 A curiosidade, a busca de conhecimento por meio de revelação e pesquisa, pode ajudar a nos manter vivos e felizes!

4. A pesquisa é “poder” e está “no propósito de Deus”.

A seguinte declaração aparece no livro Fundamentos da educação cristã, de Ellen White: “O conhecimento da ciência de todos os tipos é poder, e está no propósito de Deus que a ciência avançada seja ensinada em nossas escolas como preparação para a obra que deve preceder as cenas finais da história da Terra.”8 Dado que o conhecimento científico é derivado principalmente da observação, experimentação e evidência, é lógico que a pesquisa também está “no propósito de Deus.” Essa defesa da ciência avançada está ligada não apenas à epistemologia, mas também à escatologia; não apenas ao conhecimento, mas também à missão. Ou seja, a pesquisa deve ser feita não apenas por si mesma, mas também para uma missão mais ampla e um propósito mais profundo. Outra implicação significativa aqui é que a iminência da Segunda Vinda não é desculpa, mas deve fornecer motivação para a busca de novos conhecimentos, esclarecimento e engajamento na pesquisa.9

Obra de arte de Mark Hunt. Usada com permissão.

5. A pesquisa pode significar entrar na mente, coração e alma de Deus.

Através da pesquisa e busca da Palavra e das obras de Deus, nossos alunos e nós somos capacitados a entrar na própria imaginação de Deus. A imaginação de Deus se manifesta em Sua Palavra e Suas obras. Para mim, a iconografia do véu do templo sendo rasgado fala da vontade de Deus de nos deixar entrar, mesmo nos “mistérios inescrutáveis” de Suas obras e Sua Palavra. É um convite para que nossos olhos vejam, nossos ouvidos ouçam e nosso coração seja movido por Sua criação e imaginação.

A pesquisa pode sondar e explorar as riquezas e mistérios da Palavra de Deus e Suas obras. É uma maneira pela qual nossos olhos mortais podem contemplar a glória do Senhor em nossa própria carne. Conforme referenciado na obra Educação, “A mente humana é colocada em comunhão com a mente de Deus, o finito com o Infinito. O efeito de tal comunhão sobre o corpo, o espírito e a alma está além de toda estimativa.”10 A Bíblia diz: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2:5; ARA). Assim, a pesquisa pode expandir, elevar, aprofundar e fundamentar nossa compreensão na consiliência do conhecimento da Palavra de Deus, Suas obras e Seus atos de criação e revelação. Realizar pesquisas sob o olhar de Deus, com consciência do divino – de alguém e algo maior que nós mesmos – traz propósito, humildade, admiração e missão à prática e ao praticante da pesquisa.

6. A pesquisa é uma tarefa sem fim.

Nossa busca e o que se busca são ilimitados pela geografia e pela temporalidade. Nunca chegaremos ao fim de conhecer a Deus, Sua Palavra e Suas obras. É um falso profeta que declara e prediz que não haverá nada mais para aprender, nada mais para saber. Mais do que isso, tal atitude e estado de espírito beira a blasfêmia, pois pressupõe limitações sobre Deus e Suas futuras palavras e obras. Deus tem novos pensamentos. Ele tem planos para coisas novas (Is 43:19). Como escreveu Emily Dickinson, “este mundo não é a conclusão.”11 Consequentemente, não há fim para a internet, o universo, o conhecimento e para Deus, para quem não existe começo nem fim. Em 1888, Ellen White escreveu: “Não pode haver maior perigo para as almas daqueles que professam crer na verdade do que encerrar suas pesquisas de luz e conhecimento das Escrituras.”12 Acho que não é muito presunçoso acrescentar ao final desta passagem as palavras “e do livro da natureza”.

7. A pesquisa é consistente com dois fatos da existência humana: (a) Não sabemos tudo e nunca saberemos, “Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente”13 e (b) Conhecimento e verdade não chegam a nós de uma só vez, mas por divulgação contínua e somente após uma busca persistente.

A onisciência pertence a Deus; todos os demais devem apenas procurar. A ideia de nossa inteligência humana mortal é expressa em 1 Coríntios 8:2: “Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber (ARA). Em 1952, a Ministry Magazine publicou uma coleção de citações dos escritos de Ellen White sobre “Avançar a Verdade”.14  Estas incluíam o seguinte: “A verdade é uma verdade que avança, e devemos andar na luz crescente”;15 “Há minas da verdade ainda por descobrir por parte do fervoroso pesquisador”;16 e “Não há virtude na ignorância, e o conhecimento não necessariamente diminuirá o crescimento cristão”.17

De fato, a frase “mina(s) da verdade” e a palavra mineração são usadas repetidamente nos escritos de Ellen White como metáforas para capturar a ideia de verdade não descoberta ou oculta que precisa ser buscada. Da mesma forma, outras frases em seus escritos, como “pesquisa profunda”, “pesquisa cuidadosa”, “pesquisa individual” e “pesquisa diligente”, criam uma narrativa a favor e incentivam a atividade e o processo de pesquisa no contexto da Bíblia, saúde e natureza. Não há declarações de depreciação em relação à pesquisa ou sugestões de que é um processo intrinsecamente secular. Suas visões iluminadas sobre a pesquisa18 contrastam fortemente com as declarações antipesquisa de alguns dos pais da igreja cristã, como Tertuliano e Agostinho.19

Em um artigo recente da Adventist Review, Martin Hanna escreveu: “Claramente Deus não se intimida com o aumento do conhecimento; e Seu povo também não deve ser intimidado por isso.”20 Um exemplo do paradigma do “conhecimento crescente” é o desenvolvimento da mecânica quântica e do Modelo Padrão, entre as teorias científicas mais bem-sucedidas e fundamentais já concebidas. São respostas, ainda incompletas, ainda emergentes – e talvez, em última análise, incognoscíveis – para as questões fundamentais dos humanos que se estendem por milênios: do que somos feitos? Do que é feito o universo? Quais são seus blocos fundamentais de construção?

Nosso compromisso de procurar, buscar e pesquisar é, de fato, um testemunho, um testamento vivo de nossa intenção de crescer em compreensão, verdade e ministério. Nosso compromisso com a pesquisa não deve ser apenas um assentimento intelectual, mas deve ser manifestado em nosso currículo, pedagogia, prática e investimento em todo o sistema educacional adventista global. Não deve ser limitado ao conhecimento existente, mas também expandido para a busca intencional e proativa de novos conhecimentos, verdades e revelações. A pesquisa deve se tornar uma marca registrada da educação adventista em todos os níveis e em todas as disciplinas (ver Barra Lateral 2). Um compromisso com a pesquisa também é inspirar e orientar a próxima geração de buscadores apaixonados e habilidosos da Palavra e das obras de Deus.

8. A pesquisa pode iluminar a ignorância humana e dissipar as trevas.

É um empreendimento com relevância urgente dissipar uma mistura nociva do século 21 de teorias da conspiração infundadas e desinformação viral. A criação da luz foi um ato de Deus, um preâmbulo para o resto de Sua criação. Primeiramente foi o “haja”. Na tradição bíblica, a luz precedeu o conhecimento humano e era necessária para a revelação. A pesquisa é em si um instrumento para a iluminação que traz conhecimento, revelação, descoberta e luz para a escuridão, ignorância, mito e conspiração.

O campo da espectroscopia literalmente usa luz de todos os comprimentos de onda para sondar, revelar e nos ajudar a entender nosso universo material. De tomografias computadorizadas a ressonâncias magnéticas, sensores de segurança e termômetros digitais sem toque, todo o construto dos diagnósticos modernos é baseado nesse uso da luz. Acredito que a capacidade de iluminação da pesquisa faz parte da tradição e obrigação de Mateus 5:15, segundo a qual todos somos chamados a deixar nossa luz brilhar e compartilhar nossa luz para o benefício de todos. Aqui também está uma implicação de um chamado para comunicar e publicar nossa pesquisa e conhecimento livremente como luz para o mundo, não para fama ou ganho pessoal, mas para a elevação de outros e para o bem maior. A pesquisa pode ser portadora de boas notícias, incluindo a pedagogia da pesquisa, que envolve e inspira nossos alunos a “sair para buscar”, brilhar e compartilhar.

9. Humanos, não robôs ou algoritmos, concebem a pesquisa.

A pesquisa não é apenas uma estóica adesão mecanicista e linear aos princípios, processos, sequências e etapas do método científico. Em vez disso, é impactada por todos os aspectos de nossa humanidade e envolve o uso integral da mente, corpo e espírito. Devemos resistir à noção de que existem demarcações nítidas entre espírito e ciência. A pesquisa usa todos os nossos poderes dados por Deus, incluindo curiosidade, observação, intuição, raciocínio, acuidade mental e criatividade. Ela também é reforçada por um espírito de humildade, transparência, reverência, curiosidade exuberante e persistência.

Em comunicações pessoais comigo, o professor sênior de pesquisa de antropologia da Universidade Andrews, Oystein LaBianca, escreveu: “O que eu gosto de enfatizar é que, de todas as criaturas de Deus, os humanos foram feitos à Sua imagem – para serem criativos; descobrir e inventar novas criações. Em outras palavras, enquanto pesquisamos, afirmamos que Deus nos fez à Sua imagem. Assim, a pesquisa torna-se um ato de adoração no sentido de que, enquanto pesquisamos, afirmamos ser ‘feitos à Sua imagem’.”21 Este poderoso conceito – de que a pesquisa é um derivado divino dado aos humanos – novamente sugere que a pesquisa pode ser redentora e pode facilitar a restauração da imagem de Deus em nós.

10. A pesquisa não é inerentemente secular.

Embora alguns possam não considerar a pesquisa como uma atividade religiosa, certamente é um compromisso que vem das profundezas do espírito humano. Existem fatos existenciais inescapáveis ​​do espírito humano e da consciência humana que se engajam na busca. Nossa humanidade plena não pode separar sumariamente o “objetivo” do “subjetivo” ou ser automaticamente ligada e desligada quando procuramos. Nosso desejo e decisão de “procurar” não vêm de moléculas sem vida, caminhos bioquímicos ou reações químicas. Em vez disso, eles vêm de nossa humanidade, consciência e alma emergentes, das quais experimentamos admiração, fascínio, reverência, propósito, persistência e fé. A partir dessa mistura, “vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17:28; ARA). Buscamos, pesquisamos e envolvemos o mundo com todo o nosso ser.

Além disso, como a natureza não revela todos os seus segredos de uma só vez, devemos ser pacientes e persistentes. Devemos ter coragem para que, ao enfrentar fracassos ou contratempos, não murchemos ou diminuamos a busca de um propósito, mas persistamos firmemente contra as probabilidades. Aprendemos, adaptamo-nos e inovamos. Esse não é o resultado de uma mentalidade secular e cínica, mas produto do realismo otimista e da esperança. Como buscadores genuínos e pesquisadores dedicados, podemos esperar que o melhor esteja sempre por vir e devemos transmitir esse espírito de otimismo a cada nova geração de pesquisadores.

Embora a natureza e o processo da pesquisa possam ser sagrados, conforme descrito acima, a atitude e o significado que o pesquisador traz para ela podem ser seculares, carentes de consciência, compreensão, admiração e propósito divinos. São nossos próprios valores e nossa humanidade que determinam se a pesquisa é percebida, definida e utilizada como exclusivamente sagrada ou secular. Oro para que tenhamos dentro de nós a persistência implacável de Jacó enquanto lutava com Deus, conforme descrito em Gênesis 32:22 a 32. Que nossa busca e nossa luta nos tragam as bênçãos de maior revelação dos mistérios de Deus.

A pesquisa pode ser sagrada? Sim. Espero que aprendamos que a verdade está esperando pelo buscador persistente e que a pesquisa – a busca e a luta – é sua abençoada e sagrada recompensa.

Pesquisa também é ministério

Tradicional e geralmente, limitamos o significado e a prática do ministério a pastores, médicos, enfermeiros e professores, enquanto concordamos intelectualmente com o fato de que o ministério pode ser feito de diversas maneiras e por meio de múltiplas profissões. No entanto, a pesquisa geralmente não é a primeira coisa que vem à mente quando se fala de ministério e ministros. Essa dissonância entre crença e comportamento, filosofia e prática na verdade apresenta ao adventismo uma oportunidade de reexaminar e redefinir o ministério e o que significa ser um ministro. A oportunidade de expandir e elevar intencionalmente nossa compreensão corporativa e institucional da pesquisa como ministério pode levar a um impacto mais amplo e a um bem maior à medida que buscamos redimir e mudar o mundo no século XXI.

No sentido mais profundo, acredito que a pesquisa é um ministério, não apenas filosoficamente, mas pragmaticamente, das seguintes maneiras práticas: (1) ela é e tem sido um serviço indispensável para melhorar os padrões de vida em nosso mundo; (2) ela melhora a vida humana e o bem-estar; (3) salva vidas aqui e agora; e (4) ela nos ajuda a ser melhores mordomos das obras de Deus, incluindo nosso meio ambiente. Por meio da pesquisa, podemos nos tornar cooperadores de Deus com mais conhecimento e capacidade para restaurar e redimir nosso mundo. Por meio da pesquisa, podemos sondar células e moléculas para aprender como e por que tomamos decisões e de onde vêm nossas memórias e esquecimentos; descobrir medicamentos direcionados à precisão; e inovar a melhor forma de administrar e individualizar as dosagens para melhorar o atendimento ao paciente. A pesquisa pode nos ajudar a desenvolver processos agrícolas mais verdes que resultem em fontes de alimentos abundantes e de alta qualidade para alimentar uma população mundial crescente. Por meio da pesquisa, podemos enfrentar a fome, a pobreza e nossa crescente crise global de água; podemos lidar proativamente com futuros surtos microbianos e pandemias.

Imagine nosso mundo sem os benefícios da pesquisa – um mundo sem refrigeração, aspirina, gasolina, penicilina, vacinas, telefones celulares, aviões, equipamentos de proteção individual, energia elétrica, transfusões de sangue, ar-condicionado ou baterias. Seria um mundo sem a revelação completa e crescente de Deus.

Embora possa haver algum debate sobre a utilidade de tipos específicos de pesquisa, isso de forma alguma prejudica o valor geral da pesquisa. Nem diminui o valor inerente de buscar a Deus em Sua Palavra e Suas obras. É bom ter responsabilidade, incluindo revisão por pares, na empresa de pesquisa para garantir que os investimentos valham a pena, que o dinheiro gasto não seja desperdiçado e que os aplicativos e benefícios do mundo real sejam entregues a toda a sociedade, e não apenas aos poderosos e privilegiados. Essa responsabilidade pode aumentar o potencial de que a pesquisa continue sendo um ministério, não vaidade.

Alguns apontam para o uso da ciência e da pesquisa com más intenções e com consequências prejudiciais como razão para desconfiar e desacreditar de todo o processo. No entanto, a história secular e eclesiástica testemunham que a corrupção do bem é difundida em todas as épocas e empreendimentos humanos. As Escrituras Sagradas revelam que, mesmo quando receberam um Éden perfeito e sem falhas, os humanos o transformaram em sua própria ruína. A pesquisa não é exceção, pois também pode ser e tem sido usada para o mal, como desenvolver e usar armas químicas e biológicas. A pesquisa pode e tem sido conduzida de forma antiética, imoral e desumana, como nos experimentos Tuskegee.22 Além disso, o caso Martin Shkreli23 mostra que ela também pode ser motivada por pura avareza, ganância e lucro. Esses e outros exemplos de corrupção e abuso na pesquisa não sugerem que a pesquisa não possa ser sagrada ou usada para o bem e o ministério.

Nossa escolha de temas de pesquisa também pode testemunhar de nossa fé e missão. Muitos desafios e problemas urgentes em nosso mundo se beneficiam de descobertas, desenvolvimentos e inovações que podem surgir de pesquisas em áreas como agricultura, alimentos, água, saúde, poluição, urbanização, mudanças climáticas, medicamentos, distúrbios neuropsiquiátricos e doenças infecciosas, para citar alguns.

Considerando o alcance global tanto da educação adventista quanto dos cuidados de saúde, faz sentido que os sistemas de saúde e educação adventistas se envolvam em pesquisas juntos – intencionalmente, de perto e de forma colaborativa. Com mais de 8.500 escolas, faculdades e universidades, 650 hospitais, clínicas e dispensários e 7  faculdades de medicina,24 juntas, essas entidades podem buscar conhecimento, desenvolver inovações que aliviem o sofrimento e a dor humana e promover novas abordagens de aprendizagem e educação em saúde pública (ver Barra Lateral 3). Ao fazê-lo, daremos testemunho e traremos cura, liderança servidora à semelhança de Cristo, fé e valores para o nosso mundo, aqui e agora. Pesquisar a Palavra e as obras de Deus pode ser nosso ministério sagrado, desde os níveis elementares até os universitários. Oro para que seja assim.25


Este artigo foi revisado por pares.

Dedicado aos meus pais, Auldith e Hartwell Murray, meus primeiros e eternos professores. Eles alimentaram minha fome e curiosidade interior e foram meus primeiros exemplos de buscadores e inovadores.

Desmond Hartwell Murray

Desmond Hartwell Murray, PhD, é professor associado de Química na Andrews University. Ele é diretor e fundador da Building Excellence in Science and Technology (BEST Early) (Construindo Excelência na Ciência e Tecnologia), Inspire Early, Environmental Fridays e do Center for Early Research. Ele também é cofundador da A 4Asthma e da InTobago. Ele é editor-chefe e autor do capítulo do livro do American Chemical Society Symposium de 2016, The Power and Promise of Early Research. Em 2018, ele recebeu a mais alta homenagem docente da Universidade Andrews – a Medalha John Nevins Andrews. Ele foi reconhecido como o líder de Pensamento em Educação Científica de 2010 para o sudoeste de Michigan, como o professor universitário do ano de 2012 para o estado de Michigan e pelo Comitê de Credenciamento da American Chemical Society em 2021 por suas primeiras iniciativas de pesquisa.

Citação recomendada:

Desmond Hartwell Murray, “A pesquisa pode ser um ministério sagrado? Parte 1,” Revista Educação Adventista 84:1 (2022). Disponível em: https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2022.84.1.5.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. Merriam-Webster Dictionary (n.d.), “Research” (2022). Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/research.
  2. “Curiosity” (2022). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Curiosity; George M. Whitesides, “Curiosity and Science,” Angewandte Chemie 57:16 (2018): 4126-4129; Matthias J. Gruber, Bernard D. Gelman e Charan Ranganath, “States of Curiosity Modulate Hippocampus-dependent Learning via the Dopaminergic Circuit,” Neuron 84:2 (2014): 486–496; Celeste Kidd e Benjamin Y. Hayden, “The Psychology and Neuroscience of Curiosity,” Neuron 88:3 (2015): 449-460.
  3. Hugo Lagercrantz e Jean-Pierre Changeux, “The Emergence of Human Consciousness: From Fetal to Neonatal Life,” Pediatric Research 65 (2009): 255 - 260. doi.10.1203/PDR.0b013e3181973b0d; Alison Gopnik, Andrew N. Meltzoff e Patricia K. Kuhl, The Scientist in the Crib: What Early Learning Tells Us About the Mind (New York: William Morrow & Co., 1999); Alison Gopnik, “Scientific Thinking in Young Children: Theoretical Advances, Empirical Research, and Policy Implications,” Science 337:1623 (28 set. 2012): 1623-1627.
  4. Olive J. Hemmings, “To Restore Humanity Lost: The Third Last Word of Jesus,” Spectrum Magazine (2 abr. 2021).
  5. “What Is an Electron Really?”. Disponível em: http://sciexplorer.blogspot.com/2014/08/what-is-electron-really.html.
  6. Zora Neale Hurston, Dust Tracks on a Road: A Memoir (New York: HarperPerennial, 1996), 143. Hurston is best knowns for her 1937 novel Their Eyes Were Watching God.
  7. Colin G. DeYoung, “The Neuromodulator of Exploration: A Unifying Theory of the Role of Dopamine in Personality,” Frontiers in Human Neuroscience 7:762 (14 nov. 2013). doi.10.3389/fnhum.2013.00762.
  8. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, p. 83. Disponível em: https://m.egwwritings.org/pt/book/11096.837.
  9. 9. Ellen White lembra aos leitores que a busca continuará na eternidade. No livro Educação, ela escreveu: “O Céu é uma escola; o campo de seus estudos, o Universo; seu professor, o Ser infinito […] Ali toda faculdade se desenvolverá, e toda capacidade aumentará. Os maiores empreendimentos serão levados avante, as mais altas aspirações realizadas, as maiores ambições satisfeitas. E todavia, surgirão novas culminâncias a galgar, novas maravilhas a admirar, novas verdades a compreender, novos assuntos a apelarem para as forças do corpo, espírito e alma.” Educação (Tatuí. SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), p. 301, 307.
  10. Ibid., 14.
  11. Emily Dickenson, “This World Is Not Conclusion”. Disponível em: https://www.poetryfoundation.org/poems/47653/this-world-is-not-conclusion-373.  
  12. Ellen G. White, “In Demonstration of the Spirit,” Advent Review and Sabbath Herald 65:36 (4 set. 1888): 561.
  13. 13. 1 Coríntios 13:12 (ARA): “Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido.”
  14. A collection of quotations published as “COUNSEL: Advancing Truth,” Ministry (July 1952). Disponível em: https://www.ministrymagazine.org/archive/1952/07/advancing-truth.
  15. Ellen G. White, Counsels to Writers and Editors (Nashville, Tenn.: Southern Publishing Assn., 1946), 33.
  16. Id.,  Testemunhos para a igreja (Tatuí. SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004). 5:704.
  17. Id., Fundamentos da educação cristã, p. 246. Disponível em: https://m.egwwritings.org/pt/book/11096.837.
  18. John Wesley Taylor V, “Ellen White and the Role of Research,” The Journal of Adventist Education 82:2 (abr.-jun. 2020): 27-34.
  19. Por exemplo, a citação “O inferno foi feito para os inquisitivos” é atribuída a Agostinho (ver http://thinkexist.com/quotation/hell-was-made-for-the-inquisitive/361320.html). Enquanto Tertuliano, em On the Rule of the Heretic, escreveu: “Não queremos disputas ciumentas depois de possuir Cristo Jesus, nenhuma inquisição depois de desfrutar do evangelho! Com nossa fé, não desejamos mais crença, pois esta é nossa fé palmar, que não há nada em que devamos acreditar além disso”. Ver Tertuliano, Os Escritos de Tertuliano, v. II (Ontário, Canadá: Publicação Devotada, 2017), 30.
  20. Martin Hanna, “Science and the Gospel: A Dialogue,” Adventist Review (29 abr. 2021). Disponível em: https://adventistreview.org/magazine-article/2105-20/.
  21. Personal communication.
  22. “Tuskegee Syphilis Study” (12 maio 2022). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Tuskegee_Syphilis_Study.  
  23. “Martin Shkreli” (13 jun. 2022). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Shkreli.  
  24. General Conference of Seventh-day Adventists (2022). Disponível em: https://gc.adventist.org/about-us/departments-services/#education; General Conference Health Ministries (2022). Disponível em: https://www.healthministries.com/history/; Marcos Paseggi, “White Coat Ceremony Dedicates Inaugural Class at School of Medicine in Rwanda,” Adventist World (nov. 2021). Disponível em: https://www.adventistworld.org/white-coat-ceremony-dedicates-inaugural-class-at-school-of-medicine-in-rwanda/.
  25. Reconhecimento e gratidão aos colegas, amigos, familiares e funcionários da Revista que atuaram como revisores de manuscritos.