Editorial | Faith-Ann A. McGarrell

Ancorado em uma aliança

Em 1 Samuel 4:3, o povo de Israel, por medo e falta de confiança, colocou a arca da aliança numa posição vulnerável. Eles estavam em guerra. Eles estavam perdendo a batalha. E, naquele momento, duvidaram da capacidade de Deus de cuidar deles. Em meio à batalha, eles fizeram uma pergunta universal: “Por que o Senhor deixou que os filisteus nos derrotassem hoje?” (NVI).1 Hoje, muitos de nós fazemos a mesma pergunta: “Como isso pôde ter acontecido?” Por que Deus não nos protegeu de doenças, desastres, desespero etc.?

O povo de Israel fez o que às vezes fazemos: elaborou um plano para resolver o seu problema. Embora isso não seja algo horrível – afinal, Deus nos criou com o poder de pensar e agir –, às vezes o resultado é menos do que desejável. Tal como o povo de Israel, nós, por vezes, decidimos como achamos que Deus nos deve ajudar. E, em vez de nos ancorarmos até a tempestade passar, preservando o que é essencial para a nossa sobrevivência, começamos a traçar um rumo no meio da tempestade. Corremos para resolver nós mesmos os nossos problemas, recorrendo aos nossos próprios recursos, às vezes sacrificando o que é mais valioso para nós. Nós também dizemos: “Façamos isto, aquilo ou aquilo outro…”

Tipos de âncora

Vários anos atrás, encontrei um artigo sobre a Blue Water Sailing School (Escola de Navegação a Vela Água Azul), em Fort Lauderdale, Flórida. A Blue Water ensina as pessoas a navegar em embarcações de 35 a 50 pés.2 Ela oferece aulas de navegação, náutica e ancoragem. Num outro artigo sobre como funcionam as âncoras,3 aprendi que existem vários tipos de âncoras, e cada uma funciona de forma diferente – nenhuma âncora é adequada para todas as situações, e a maioria dos barcos e navios transporta mais de um tipo. Por exemplo, âncoras leves cravam-se no fundo em vez de serem mantidas firmes por um peso imóvel. Elas têm barbatanas (largas placas triangulares que parecem pontas) que cavam em superfícies mais macias ou podem ser arrastadas ao longo do fundo para encontrar uma fenda em uma superfície dura. Algumas âncoras feitas para superfícies macias também são eficazes em lama dura ou mato e em superfícies rochosas. Essas âncoras têm um pivô na coroa da haste (ou no braço principal da âncora) que permite que a haste balance de um lado para o outro conforme a embarcação a vela se mova com o vento.

As decisões sobre qual âncora usar dependem de fatores como a composição da superfície do fundo, seja areia fofa, lama ou rochas. Outras considerações incluem a profundidade do corpo de água, seja um lago, rio ou oceano, e a corrente, a maré e a direção do vento. Possíveis obstruções como detritos, fissuras na superfície e criaturas marinhas que vivem na superfície inferior (por exemplo, recifes de corais, ostras, mariscos etc.) também influenciam a tomada de decisões.4 Curiosamente, cada tipo de âncora se agarra de uma forma diferente. As âncoras leves “cavam” ou “encontram uma fenda” para se engancharem. Âncoras pesadas giram, permitindo que a embarcação role com as ondas enquanto elas transpõem a superfície.

Da mesma forma que o capitão de um navio decide qual âncora usar, ao longo de nossa vida, precisamos decidir que tipo de âncora utilizaremos em determinada situação. Precisamos nos agarrar? Precisamos girar? A superfície é macia e flexível ou rígida e imóvel? E, como diz o antigo hino: “Bem segura está sua fé, irmão, mesmo quando em tempos de aflição? O seu barco vai firme a navegar, ou perdido está no grande mar?”

Precisamos de uma âncora que segure firme

Em 1 Samuel 7:2 a 5, o povo de Israel reconheceu que somente Deus, e não seus melhores planos, poderia libertá-los: “E todo o povo de Israel buscava o Senhor com súplicas […] Assim, os israelitas se livraram dos baalins e dos postes sagrados, e começaram a prestar culto somente ao Senhor.” Quando Israel percebeu a necessidade de uma âncora, eles “cavaram”. No versículo 5, lemos: “Samuel prosseguiu: - Reúnam todo o Israel em Mispá, e eu intercederei ao SENHOR em favor de vocês.”6 Quando se reuniram em Mispa, tiraram água e derramaram-na diante do Senhor. Eles jejuaram naquele dia e confessaram: “- Temos pecado contra o Senhor” (v. 6). Com jejum, oração e sacrifício, eles comprometeram-se novamente, reconsagraram-se e ancoraram-se em Deus.

Às vezes, precisamos “cavar” e nos ancorar profundamente porque a tempestade está se aproximando; as ondas são tumultuosas e nos jogam para frente e para trás. Os corações daqueles que nos rodeiam estão endurecidos ou obstruídos, tornando difícil permanecermos seguros nas nossas convicções. A forma como ancoramos em tempos difíceis é vital porque, independentemente das circunstâncias que nos rodeiam, a âncora deve permanecer firme.

A boa notícia é que temos uma âncora. Para o povo de Israel, ela era o Deus cuja presença habitava a arca da aliança, um símbolo do acordo que vinculava Deus com o Seu povo e da esperança e promessa de um Salvador. A arca continha artefatos para lembrá-los de como Deus esteve com eles em tempos perigosos: enquanto fugiam do Egito (o cajado de Arão que floresceu); enquanto vagavam pelo deserto (maná); e a tampa – o Propiciatório –, um lembrete tangível e visível do plano instituído para o perdão dos seus pecados e uma promessa de que um dia haveria um Cordeiro que lavaria os pecados do mundo para sempre (2Sm 7:10-13; Is 53:1-12).

Para nós, hoje, este Deus é o mesmo: “Temos essa esperança firme e segura como âncora da alma” (Hb 6:19). Temos uma âncora que nos segura firme. A ancoragem não afasta a tempestade; ela nos mantém seguros na tempestade. Embora a tempestade seja implacável, devemos ancorar-nos na Rocha que é Jesus Cristo, pois Ele é a nossa única esperança segura.

Esperança implacável

A história continua em 1 Samuel 7:7: “Quando os filisteus ouviram que os filhos de Israel estavam congregados em Mispá, os governantes dos filisteus saíram para atacá-los. Quando os filhos de Israel ouviram isso, tiveram medo dos filisteus” (NAA). Durante o arrependimento e o compromisso dos israelitas com o Deus de Israel, os filisteus vieram contra eles mais uma vez. Todos nós conhecemos aqueles momentos, quando as coisas parecem não poder piorar, e então pioram! Apesar de todas as intervenções possíveis, a situação se deteriora. No entanto, Colossenses 1:27 lembra-nos que a nossa esperança é “a esperança da glória”; temos “uma esperança viva” (1Pe 1:3).

Dessa vez, em vez de resolverem o problema por conta própria, os israelitas pediram a Samuel que continuasse a orar por eles (1Sm 7:8, 9). Ele o fez, e Deus os livrou (1Sm 10 e 11).

Qual é o seu “exército filisteu”? Esses desafios que continuam avançando? Aquelas situações que procuram roubar a sua confiança em Deus? Deus ainda mantém Seu povo em meio à tempestade, Ele ainda livra.

Sempre temos uma escolha se acreditarmos que Deus está nos guiando. A jornada da nossa vida pode ter tempestades e mar agitado, algumas mais fortes que outras. No entanto, devemos prosseguir. Ficaremos cansados e prostrados, mas devemos prosseguir. Veremos crises financeiras, políticas, religiosas e sociais, mas temos que prosseguir. Temos que prosseguir porque sabemos que Deus pode transformar qualquer situação e podemos ter certeza de que nada temos a temer quanto ao futuro, a menos que nos esqueçamos de como Deus nos guiou no passado.6

Esperamos que você goste dos artigos desta edição e que eles estimulem o pensamento, promovam boas práticas e gerem esperança. Acima de tudo, encorajamos você a escrever para nós! Visite nossa seção de solicitações para Manuscritos (https://www.journalofadventisteducation.org/calls-for-manuscripts) para ver nossas prioridades atuais e nossas diretrizes para autores (https://www.journalofadventisteducation.org/author-and-reviewer-guidelines) para os vários tipos de artigos que aceitamos.

Faith-Ann A. McGarrell

Faith-Ann A. McGarrell, PhD, é a editora da Revista Educação Adventista®. Ela pode ser contatada no email: [email protected].

Citação recomendada:

Faith-Ann A. McGarrell, “Ancorado em uma aliança,” Revista Educação Adventista 85:4 (2023). Disponível em: https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2023.85.4.1.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. A menos que especificado de outra forma, todas as referências bíblicas neste editorial são citadas da Nova Versão Internacional da Bíblia. Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional®.
  2. Blue Water Sailing School Courses. Disponível em: https://www.bwss.com/courses/asa-106-advanced-coastal-cruising.html.
  3. Granada Blue Water Sailing, “The Do’s and Don’ts of Anchoring” (2024). Disponível em: https://www.grenadabluewatersailing.com/anchoring-advice/.
  4. Ibid.
  5. Priscilla J. Owens, “We Have an Anchor” Hymnary.org. Disponível em: https://hymnary.org/text/will_your_anchor_hold_in_the_storms_of_l.
  6. Ellen G. White, Life Sketches of Ellen White (Mountain View, Calif.: Pacific Press, 1915), 196.