O ano estava quase no fim e muitos alunos do Instituto Adventista de Ensino1
planejavam ingressar no programa de evangelismo da literatura no verão. Durante semanas, as conversas entre meus colegas de quarto giravam em torno do dilema de ficar trabalhando na escola ou correr o risco de sair para vender livros sem nenhuma garantia de resultado.
Eu me senti fortemente compelido a ir. Eu havia lido sobre a obra de publicações da igreja e fui impressionado pelo Espírito Santo a me alistar naquele exército de obreiros. Curiosamente, não fui recrutado, pois nenhum líder me convidou. Tive que tomar a iniciativa de buscar uma vaga em uma das equipes que estavam sendo formadas. As equipes de alunos de Literatura Evangelista (LE) eram organizadas pelos diretores de colportagem da União e da Associação, com a ajuda dos alunos, que, com base na experiência anterior bem-sucedida na colportagem, eram designados como líderes de equipe. Por que equipes? As equipes facilitavam a supervisão, o treinamento, a assistência e a motivação. Além disso, os jovens amam trabalhar em equipe.
Dentre as várias equipes, escolhi o líder em quem mais confiava. Falei com ele, mas fiquei frustrado com a desculpa de que sua equipe havia esgotado as vagas disponíveis. Ele recomendou que eu falasse com outros líderes, o que fiz sem sucesso. Todos deram a mesma resposta: “A equipe já está completa”. Logo percebi que havia uma verdade oculta por trás da resposta padrão.
Veja bem, eu era considerado um aluno privilegiado. Fui criado em uma família de classe média e não precisava me preocupar em trabalhar para pagar meus estudos. Percebi que ninguém acreditava que um aluno iria “suar sangue na colportagem” se não precisasse arrecadar dinheiro para a mensalidade da faculdade. Então, tive que mudar minha abordagem para ter uma chance.
Voltei ao primeiro líder, aquele em quem eu mais confiava, e o encontrei do lado de fora do prédio da sala de aula. Aproximei-me dele e disse: “Meus pais já sabem que este ano não viajarei de férias com eles e nem passarei o Natal com minha família. Então, quando partiremos para a colportagem?”
Um pouco confuso com minha tática e sem escolha, ele respondeu: “Iremos em 2 de dezembro”. Ouvindo o que eu queria, pedi licença e entrei no prédio.
O evangelismo da literatura foi um grande desafio. Eu era tímido e medroso, e era difícil para mim abordar estranhos. Antes de começar o trabalho real, eu teria que praticar a apresentação de vendas com meus colegas de equipe. Fiquei nervoso e comecei a suar e tremer. Todos riram quando o livro escorregou de minhas mãos e caiu no chão. Falhar na frente de todos os meus colegas foi embaraçoso. Na manhã seguinte, saí para o campo levando comigo a descrença dos meus líderes e colegas de campanha, que pensavam: “Aquele filhinho de papai não vai conseguir nada”.
Mas, para surpresa de todos, levei a sério a oportunidade. Depois de uma manhã inteira sem sucesso, Deus me deu minha primeira venda: uma coleção completa de livros para uma jovem mãe de dois meninos. Antes de comprar a coleção, ela perguntou: “Tem certeza de que esses livros vão me ajudar a criar meus filhos como filhos de Deus?” “Absolutamente,” eu disse. A partir daquela primeira coleção de livros, senti que Deus havia me chamado para aquele trabalho, e o fiz com todas as minhas forças e com total dependência Dele.
O trabalho de porta em porta tornou-se uma segunda escola, onde aprendi muitas lições. Orei como nunca. Eu me senti pequeno, mas Deus estava comigo. Todos os dias eu tinha oportunidades de compartilhar as boas novas sobre Jesus, orar com os clientes e desenvolver a arte da persuasão. Embora eu tenha experimentado dores e desafios, pela graça de Deus, os resultados foram surpreendentes. Depois de dois meses, voltei para casa com um cheque equivalente a quase dois anos de mensalidade como aluno interno.
Continuei a colportar durante as férias de verão e inverno até terminar meus estudos. Essa atividade foi uma escola prática que mudou minha vida. Embora eu não tivesse ideia do significado do que estava acontecendo em minha vida, Deus estava me preparando para servir no ministério de publicações. O pensamento de que eu pertencia a um exército de milhares de jovens me motivou com um senso de significado e propósito. Naquela época, descobri que, ao longo da história, o trabalho da colportagem desempenhou um papel vital em fundamentar e fortalecer a fé de jovens cristãos que contribuíram poderosamente para a missão do evangelho.
O trabalho da colportagem e a educação cristã
Ao longo dos séculos, o trabalho da colportagem e a educação cristã têm sido parceiros no treinamento e desenvolvimento de jovens para servir a Deus. Muito antes do início do movimento adventista, alunos de escolas cristãs já estavam envolvidos em compartilhar sua fé por meio da venda de literatura.
Nas comunidades valdenses na Europa, os jovens eram treinados por meio de uma combinação de atividades em sala de aula e a experiência de compartilhar sua fé nas cidades. “Eles tinham centros de educação onde os jovens transcreviam trechos da Bíblia, e logo eles saíam pelas cidades para divulgá-los. Era uma exigência de que aqueles que queriam se tornar ministros teriam que passar três anos colportando em territórios estrangeiros.”2 Mais tarde, durante os anos da Reforma, os colportores estudantes foram treinados para divulgar os livros de Lutero enquanto ganhavam fundos para pagar suas mensalidades.3
No início do século 20, as escolas adventistas na América do Norte estabeleceram um plano para incentivar os alunos a vender literatura durante os meses de verão. Uma venda de certa quantia permitiria que os alunos frequentassem a escola durante o ano. Em 1906, o Union College, em Nebraska, estabeleceu o primeiro plano de bolsa de estudos para colportores estudantis.4
Ellen G. White ainda vivia quando os alunos, chamados de “colportores”, começaram o trabalho de pregação de porta em porta. Ela ofereceu conselhos, encorajamento e uma lista de benefícios que os jovens obteriam ao se matricular nesse programa. Ela via o trabalho da colportagem como uma experiência de aprendizado, repleta de oportunidades para compartilhar o amor de Deus por meio do testemunho pessoal (ver O Colportor Evangelista, capítulo 5).5
Os alunos colportores encontram dezenas de pessoas diariamente, muitas das quais enfrentam provações e desafios espirituais. Eles precisam de orações, bondade e esperança. Através da influência de estudantes cristãos, muitas pessoas solicitam estudos bíblicos e eventualmente frequentam a igreja e solicitam o batismo. Assim, a colportagem é uma bênção tanto para os alunos como para aqueles com quem entram em contato.
A colportagem estudantil hoje
Relatórios das Divisões mundiais mostram que mais de 20 mil jovens se envolvem no evangelismo adventista de literatura todos os anos.6 O programa de colportagem estudantil está ativo em todos os continentes com excelentes resultados, mas envolve muito mais do que números de vendas. É emocionante saber que todos os anos esse exército de estudantes atende mais de 5 milhões de pessoas face a face. Você pode imaginar o impacto que esses jovens cristãos têm em pessoas feridas e desanimadas que buscam significado em sua vida ou naqueles que buscam um relacionamento pessoal com Deus? Milhares de orações são oferecidas e milhões de livros cheios de verdade são distribuídos. Somente na eternidade os resultados desse ministério serão revelados.
Tanto durante quanto depois da pandemia, a colportagem continuou a prosperar.7 Muitos alunos aceitaram o desafio de vender livros quando as pessoas precisavam especialmente de uma mensagem de esperança. Na maioria dos países, foi possível retomar o trabalho de porta em porta após seguir os protocolos de saúde.
Como líder de publicações, conheci milhares de jovens que buscam um futuro melhor e uma chance de se matricular em uma faculdade ou universidade adventista. A maioria deles luta com a falta de recursos financeiros para buscar uma educação cristã. Tive o privilégio de recrutar, treinar e ministrar a jovens comprometidos que, apesar de uma variedade de desafios, aceitam o chamado de Deus para servir. Muitos dizem que a colportagem foi uma das experiências mais gratificantes e ricas que já tiveram. Eles desenvolveram habilidades sociais, aprenderam disciplina e, acima de tudo, experimentaram o poder de Deus quando Ele realizou milagres para suprir suas necessidades todos os dias.
Muitos jovens adventistas do sétimo dia têm uma visão de serviço. Sonham em se preparar não só para uma carreira profissional, mas para exercer a sua profissão num quadro missionário. Reconhecendo o papel da colportagem no desenvolvimento e crescimento espiritual dos alunos, os professores e administradores educacionais devem incentivá-los a dedicar pelo menos um período de férias de verão ao evangelismo da literatura. Tal experiência fortalecerá seu relacionamento com Deus, nutrirá seu compromisso de servir e ensinará muitas outras lições valiosas e inesquecíveis.
O evangelismo da literatura permite que adolescentes e jovens sirvam e se sintam úteis. Ajuda a criar um senso de propósito na vida. Louvamos a Deus pelos jovens em todo o mundo que se engajaram no evangelismo da literatura e oramos para que muitos outros aceitem o chamado para se juntar a esse poderoso exército e aproveitem as oportunidades para se sustentar enquanto buscam a educação adventista.
Citação recomendada:
Almir Marroni, “Como pagar pela educação adventista: oportunidades no evangelismo da literatura,” Revista Educação Adventista 84:4 (2022). Disponível em: https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2022.84.4.7.
NOTAS E REFERÊNCIAS
- O Instituto Adventista de Ensino, em São Paulo, agora é o Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp. Ver https://encyclopedia.adventist.org/article?id=8GGU.
- Nicolás Chaij, El Colportor De Éxito (Florida Oeste, Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1985), 23.
- Ibid., 26.
- Richard W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant (Mountain View, Calif.: Pacific Press, 1979), 350.
- Ellen G. White, O Colportor Evangelista (Tatuí, S.P.: Casa Publicadora Brasileira, 1997).
- Informações apoiadas por relatórios trimestrais enviados pelas Divisões mundiais ao Departamento de Publicações da Associação Geral.
- Ibid.